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quarta-feira, 10 de março de 2010

Nosso desprezo com a memória e Petkovic

A casa onde Machado de Assis viveu é hoje um mercado de secos e molhados no Cosme Velho, zona sul do Rio de Janeiro. Em Londres, Viena ou mesmo Buenos Aires, seria um museu dos mais visitados e cultuados. O estrangeiro que aqui desembarcar e quiser conhecer o cenário onde nasceram Bentinho e Capitu vai certamente lamentar pelo Brasil. Que país é este que deixou a casa do seu maior escritor virar uma bodega?

Vez por outra surge alguém pregando a demolição do Maracanã. Poucas coisas me doem tanto quanto ouvir isso. Digo mesmo que tomo como um desaforo pessoal. Foi com o Maracanã que o Brasil olhou para o espelho e se viu como um povo capaz de vencer seus desafios. Nossa capacidade empreendedora foi pela primeira vez reconhecida no mundo inteiro.

Talvez ali tenhamos começado a superar o complexo de vira-latas que oito anos depois Nelson Rodrigues iria apontar como superado, enfim, na vitória em gramados suecos. Talvez ali tenhamos tomado fôlego para pavimentar os “Anos Dourados”, para fazer 50 anos em 5 logo em seguida. Não hesito em afirmar que os tais “Anos Dourados” começaram ali.

Mas como construir nossa memória é coisa menor, pouco importante para sermos o país que tantas vezes viu seu projeto de nação adiado, que se bote abaixo o Maraca. A geral já foi. Só falta o resto. Um dia o farão. Talvez depois de mais uma reforma que consome milhões. Finda a Copa, algum burocrata chega lá, convencendo a todos que uma “Arena” é mais moderna. Com aplausos do elenco de apoio de sempre.

Nesses 510 anos, só conseguimos construir o mito de herói nacional em torno de Tiradentes. Será que somos isso mesmo, um país de homúnculos, de um só grande personagem? Claro que não, nem é preciso dizer. Mas é preciso gritar cada vez mais por nossa memória, olhar o passado em busca de um presente digno. Temos fortes problemas na construção de nossa memória, já foi dito tantas vezes. Junte-se a isso a pressa do mundo contemporâneo, as relações cada dia mais instantâneas, e temos o pior dos mundos.

E aqui chegamos no principal ponto: a imensa dificuldade na construção da memória nacional desemboca em um único rio: o do desrespeito.
Certamente terei a tentação de republicar este texto adaptado para diversas situações, sempre que a memória for desrespeitada por aqui. Ou seja, semanalmente.
Mas escrevo isso agora pensando em alguma coisa bem próxima, um acontecimento fresquinho, mas que dá bem a dimensão de nossa falta de respeito com os ídolos, com a memória.

Petkovic foi o herói de um título do Flamengo em 2001, com o célebre gol de falta. Anos depois o herói retornou. Sem deitar nos louros, quando ninguém acreditava mais, voltou a ser o herói maior de um improvável título nacional com o Flamengo. Cantado e exaltado por todos. Um mês depois, caiu em desgraça, esteve por um fio de ser mandado embora pela porta dos fundos, escorraçado.

Pet cometeu um erro? Sim. Um erro menor, daqueles que ocorrem todos os dias no futebol. Mas um cartola de terceiro escalão, ávido por microfones e embevecido com um status muito maior do que sua história pessoal até então (voltaremos a falar nesse blog sobre cartolas que nada são e acabam guinados a mandatários) decidiu pelo exílio de Pet, o herói de um mês atrás. Com o beneplácito de toda a diretoria rubro-negra.

Andrade, monstro sagrado da história rubro-negra, treinador que se revelou de mão cheia e merece vida longa no Flamengo, ótima pessoa, também não podia ver a isso tudo sem gritar, sem se posicionar, simplesmente deixar a fritura de Pet, congelar o cara que o ajudou há um mês atrás. Basta que o próprio Andrade lembre o quanto foi desrespeitado na história recente do Flamengo para não admitir isso.

O que mais me espantou foi a normalidade com que um caso desses foi tratado. Pela imprensa e muito mais assustador, pela própria torcida rubro-negra (falaremos ainda também adiante sobre a higienização dos estádios, que faz com que o verdadeiro torcedor esteja cada dia mais longe. Há tempos venho falando nisso. O auge foi uma das coisas mais patéticas que já vi na minha vida: “A Campanha do Palavrão”, pra banir o palavrão do estádio. Voltaremos nisso pra rir ou chorar!). Bom, mas retomando, foram quase inexistentes os protestos com o afastamento de Pet e com a cena que se repete, com ele no banco de reservas. Resumo da ópera: parece normal que o cara que botou o campeonato brasileiro no bolso esteja passando por isso. Estamos falando de muito pouco tempo passado.

Ok, entrou no time um menino promissor, fez gols. È promissor realmente Vinícius Pacheco, mas por enquanto, enfrentando Boavista, Volta Redonda, é apenas isso. Pet não precisa mais mostrar o quanto é imprescindível para o Flamengo, salvo que em um mês tenha desaprendido. Custo acreditar que em algum momento da Libertadores ele não será fundamental para seu time. Será que Pet é tão descartável assim tão pouco tempo depois da conquista do Brasileiro pelo Flamengo? E dessa forma?

E aí chego em outro ponto: no meu modesto entender, sua ausência já custou muito caro ao Flamengo. O título da Taça Guanabara. Não exagero. Pois duvido que com Pet em campo teria passado em branco, tão passivamente o patético episódio onde o juiz voltou atrás com o cartão para o jogador alvinegro Fahel, poupando-o da expulsão. Diante de um Flamengo mudo, que apenas assistiu sua carteira roubada na própria cara. Faltou um líder em campo. Também faltou um líder para mostrar que era preciso transformar superioridade no campo em gols, alguém pra gritar com o time. Deu no que deu para o Flamengo.

Mas o cartola deve estar em êxtase ainda hoje. O anônimo que subia o elevador do prédio sem ninguém saber quem era, que passava pela rua como um Zé Ninguém agora não é mais um anônimo. Matou o herói! O perigo de ter tal tipo de cartola na direção de um clube é que um dia ele vai realmente decidir e falar em nome do clube. Vale pra qualquer clube, e todos tem figuras assim.

Mas o que mais me assusta mesmo é como por essas bandas ídolos podem ser tão descartáveis. Pior: as últimas notícias são de que o tal cartola já trata de renovações, e com frieza calculada, ignora a renovação de Pet.

Finalizando, esse texto não trata de Pet, de Flamengo, de Rio, de Corinthians, de São Paulo. Esse texto é sobre respeito. E a acima de tudo, sobre as conseqüências da falta de construção de memória no Brasil, que, como vimos, gera o desrespeito.
Pensando bem, já pode ter acontecido no seu escritório, no seu trabalho, com você, com um familiar, um amigo... Em algum momento e lugar, você já viu ou ouviu falar de caso onde não se respeitou a história de uma pessoa, descartada como nada. Como Pet e o tal cartola menor.

Diga o que acha, se concorda que a ausência de Pet pode ter custado caro ao Flamengo ou não, se é certo isolar o jogador, se acha que ele pode ou não fazer falta na Libertadores.

Fonte: http://espnbrasil.terra.com.br/luciodecastro

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